SLAM*

Escrito por Afrolíricas1

Na ponta do nariz atento e surpreso,
Me cutuca e ponteia curiosamente
um cheiro acanelado,
Conforto e afeto acolhem
a lembrança de quem
come bolin de chuva
depois de brincar o dia inteiro na rua.
Meu corpo ancestral abriga
um império de mulheres
Aquelas, não ditas nas histórias
As semeadeiras, que fertilizaram
essa terra e pariram trajetórias.
São peitos cheios, que
alimentam essa nação
Na força do mandacaru,
no feitiço do cansanção.
É muito conservante
para pouca embalagem
se é que me entende?
Quer falar de agroecologia pra gente?
QUE VÊM DA QUEBRADA,
USA OS TALOS E NÃO
DESPERDIÇA AS FOLHAS
Cês não sabe sevirar com muito,
e nós aqui com pouco,
Fazendo sobremesa com
chuchu, rapadura e coco.
Açucarado e melado
Quente doce e embalado
Pois comida de vó é
feito abraço apertado!
Ato de quem sabe envolver
bem a panela de barro.
Pra nós,
A cozinha é o coração
que pulsa a arte do
segredo sagrado
Eu dispenso na minha mesa
o teu tempero industrial,
Minha dispensa de alimento
se configura no quintal.
Couve, angu e feijão
a alquimia perfeita
de quem tem dom nas mãos
Transformar o pouco em muito
Quando vai pro fogão.
Barriga cheia
e sorriso aberto
Sempre devemser
acompanhamento
no nosso prato,
Pois fartura
sempre foi
a filosofia
de todo
favelado.

*O slam é uma competição (ou “batalha”) de poesia falada, nascida na década de 80 nos Estados Unidos e difundida no Brasil a partir dos anos 2000. O termo tem origem no inglês e significa, literalmente “batida” ou “pancada”.

  1. Afrolíricas é um coletivo de slam, criado e perpetuado em Belo Horizonte. Ele é composto pelas jovens negras Ana, Iza e Eliza. O grupo é uma “ponte de Africanidades”. Para saber mais acesse o Instagram @afrolíricas ↩︎